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O que fazer quando o familiar do meu paciente pedir segredo ao falar comigo?

22 de março de 2017 • Categoria: Liga de Aprendizagem ColaborativaOutrosSua essência na carreira
Marina Simeão é Sócia Gestora da M. Simeão, Psicóloga Clinica e Orientadora de Carreira.

Sigilo terapêutico é coisa séria. Além de ser um dos fundamentos básicos que norteia o nosso código de ética profissional (artigo 9º), é ele um dos sustentáculos da relação de confiança, ponto que favorece o fortalecimento da aliança terapêutica entre paciente e terapeuta.

 O que me fez escrever sobre esse tema foram duas experiências vividas comigo em um curto espaço de tempo, que possivelmente seja comum também entre outros psicólogos. Se você, leitor, possui um membro familiar que está em terapia, este texto pode ser relevante para você também. 🙂

 Em algum momento do processo psicoterápico, pode acontecer de um membro da família de seu paciente ter a necessidade de falar com você por sentir-se angustiado, preocupado ou mesmo irritado com algo que está acontecendo entre eles dois.

Para melhor ilustrar, vamos dar nomes fictícios aos “atores”. Suponhamos que Joana é a mãe que te procura e Dora é a filha, sua paciente (maior de idade).

Consideremos que este contato pode vir a ocorrer de duas formas: por via da Dora ou diretamente por Joana.

Quando esta comunicação chega até você por via de seu paciente e é congruente com o seu planejamento terapêutico agendar uma sessão com o membro familiar, esta estratégia (de marcação de consulta para escuta de Joana) pode ser complementar e até estruturante na condução do processo psicoterápico de Dora.

A intervenção no sistema familiar (com foco no processo do SEU CLIENTE), pode ser extremamente terapêutica para a evolução de Dora. Sim, seu paciente além de ser um INDIVÍDUO, está situado em uma FAMÍLIA, que apresenta regras, mitos e atitudes, que podem reforçar ou dificultar o desenvolvimento de alguns comportamentos, ou seja, ele também é um ser SOCIAL e isto é mais que suficiente para entendermos que envolver algum membro familiar pode ser uma estratégia muito válida para as metas traçadas.

Marina Simeão é Sócia Gestora da M. Simeão, Psicóloga Clinica e Orientadora de Carreira.

Mas nem sempre a “fita” corre como nos livros de psicologia, meu bem. Imagina que na VIDA REAL a Joana pode te procurar por telefone ou por WhatsApp e, devido a intensidade emocional do momento, ela já extravasa o cerne dos conflitos familiares antes mesmo de você conseguir pontuar sobre a sua maneira de trabalho.

Como um bom psicólogo, flexível que você é, sua postura é de escuta, acolhimento e orientação, já que, na sua frente, está um ser humano angustiado e desejante de ajuda, que igualmente deseja ajudar a sua paciente e colaborar com o seu material de trabalho, informando-te dos últimos ocorridos. Correto? Não! Ou melhor, em partes.

Marina Simeão é Sócia Gestora da M. Simeão, Psicóloga Clinica e Orientadora de Carreira.

Consideremos, que, no seu caso, diante da angústia e extravasamento instantâneo de Joana, você a escutou, acolheu e a orientou brevemente, sem estender muito o assunto, pois estava disposta a CONVIDÁ-LA A PARTICIPAR DE UMA SESSÃO, já que este assunto pode ser melhor abordado no consultório por questões de tempo direcionado para isso; espaço e, principalmente: COM A CIÊNCIA do SEU PACIENTE. Isto SE, como mencionado acima, a participação do membro familiar no processo, estiver em congruência com o seu plano terapêutico e o seu paciente permitir, se sentir à vontade para tal e concordar com a sua sugestão.

Então voltemos a cena: você está pronta a aconselhar que Joana fale para Dora que te procurou, estimulando-a a agir com transparência, já que este não deve ser um assunto velado, principalmente porque envolveu a figura do terapeuta como confidente e, lembre-se, e é aí onde quero chegar: O SEU SIGILO, O QUAL SE REFERE O NOSSO CÓDIGO DE ÉTICA, É COM O SEU PACIENTE.

Mas, como em casos da VIDA REAL, antes de você agir dessa forma, a pessoa lhe diz: “Mas não comenta com ele(a) que eu falei com você”. TCHARAAAAM!

Marina Simeão é Sócia Gestora da M. Simeão, Psicóloga Clinica e Orientadora de Carreira.

Atente-se! Aqui é muito fácil cairmos na armadilha de sermos seduzidos pelo desejo de nos mostrarmos como um terapeuta acolhedor, salvador e aliado (não da sua paciente, mas da mãe dela).

Pensemos com mais profundidade.

Como diz meu marido “é aí que se separam os homens dos meninos” rsrs. Entendamos. A nossa postura precisa se diferenciar da nossa atitude dentro de uma relação pessoal corriqueira. Em outro tipo de relação, poderíamos falar “Tudo bem, não se preocupe”. Mas lembremos: a relação terapêutica está pautada, como mencionei acima, na C-O-N-F-I-A-N-Ç-A. Imagina o seu paciente saber que você e um membro de sua família conversa “por trás” dele. Parece exagerado? Mas possivelmente será assim que ele interpretará. O que fazer então? Se negar a escutar?

Poderá haver um perfil de Psicólogo que se negue a ter qualquer contato desta natureza com membros da família fora do consultório, o que não é o meu estilo profissional. No entanto, posturas diferentes, por profissionais diferentes, respeito mutuamente mantidos (o objetivo deste texto não é discutir qual a postura mais adequada neste sentido).

No entanto, falando “tudo bem, não contarei para ela”, você poderá cair numa armadilha e enredar-se nos padrões e repetições de vida dessa família e da sua paciente: vilão, vítima e salvador. Imagina se isto tem a ver com o sintoma dela e você ajuda a perpetuar o que está sendo disfuncional? 1000 pontos de regresso ao tratamento e você foi sugado pela entropia familiar (acabaram de te incluir no nó familiar, em outras palavras).

Marina Simeão é Sócia Gestora da M. Simeão, Psicóloga Clinica e Orientadora de Carreira.

Além disso, você poderá destruir uma relação de confiança que você demorou 2 meses, 5 meses ou até 1 ano para estabelecer. E a responsabilidade seria da Joana que pediu segredo? De forma alguma. As pessoas agem com os terapeutas da mesma forma que agem com qualquer outra pessoa. O papel de direcionar como funciona esse tipo de relação terapêutica é NOSSA e não dos nossos clientes.

Caso não tenha sido possível informar à Joana (antes de sua fala, escrita ou gravação do áudio) que aquilo que for falado com o terapeuta está passível de ser abordado em sessão, concordamos que ela não tinha ciência deste princípio e, portanto, não teve a opção de escolher falar ou não para o terapeuta sabendo destas condições, correto?

Neste caso, encoraje-a a falar ela própria para sua filha, que procurou a terapeuta dela. É natural uma pessoa que ama a outra, preocupar-se e querer ajudar. Sim, esta deve ter sido pelo menos uma das intenções iniciais dela. Nosso papel também é auxiliar no amadurecimento das relações de nosso paciente, porque não ser modelo e tratar com naturalidade situações como esta?

E qualquer desdobramento que haja deste contato, tudo é material de sessão, que, a partir daí, poderá ser amplamente trabalhado, de forma transparente e profissional. Muitas vezes, um conflito pode ser a via de abertura de portas para o manejo e consequente progresso nas relações interpessoais de seu paciente. Portanto, não desvie o seu comprometimento ético e não confunda seu papel pessoal com seu papel profissional.

Marina Simeão é Sócia Gestora da M. Simeão, Psicóloga Clinica e Orientadora de Carreira.

E você, já passou por situações parecidas? Em terapia não há uma só regra para uma postura profissional, há bases éticas que podem nos fundamentar. Nem sempre é fácil agir com assertividade, mas todas as vezes será mais prudente. 🙂 Compartilha com a gente sobre as suas experiências também.

Por Marina Simeão

Em 21/03/2017

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