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Quando o trabalho cognitivo-comportamental atinge o seu limite

26 de setembro de 2017 • Categoria: Liga de Aprendizagem Colaborativa

Sabe quando o paciente te fala “Eu já sei de tudo isso, mas não consigo mudar”? Isso já aconteceu com você como terapeuta?

Essa cena pode acontecer quando o paciente já consegue ter uma percepção bem apurada de seus processos emocionais e comportamentais, de fato já alcançou bons avanços em sua vida pessoal, mas há um ponto “X” que ele não consegue evoluir.

É neste momento que o trabalho cognitivo-comportamental chegou ao seu limite.

Muito provavelmente, estamos diante de questões mais enraizadas, que demandarão de nós, terapeutas, uma intervenção obviamente, também mais profunda. É aí que precisaremos lançar mão de uma intervenção mais vivencial e conectada aos sentimentos.

Essa ordem (primeiro a cognição e o comportamento e depois a emoção) não é mera casualidade; conhecer como seu universo interno funciona é um passo inicial fundamental para o processo psicoterápico e já bastante terapêutico*. Mas são por meio das técnicas vivenciais que as mudanças parecem acontecer de forma mais profunda, contínua e sedimentar. É como se o paciente já soubesse intelectualmente o que acontece e o que deve fazer e, pareando esta percepção às técnicas vivenciais, passará a acreditar também emocionalmente no que “já sabe”, por conta da vivência emocional.

Mas uma altura dessas você já deve estar se perguntando: Todo o processo de terapia já não é, desde o início, vinculado aos sentimentos? Sim e não.

Vejamos por que sim. Imaginemos um processo psicoterápico que já ofereceu ótimos avanços no quesito cognitivo-comportamental para o paciente.

Quando, por exemplo, perguntamos a este paciente o que ele sente quando o seu chefe parece não escutar a sua opinião em uma reunião coletiva, ele já consegue:

– Falar dos seus sentimentos e nomeá-los;

– Identificar as crenças de incapacidade que este episódio lhe evoca (que pode ser uma distorção influenciada por suas experiências passadas)**

E vejamos por que não. Apesar de já termos:

1) trabalhado cognitivamente para identificar e modificar suas crenças;

2) possivelmente ter compreendido como isto se configurou em sua história de vida;

3) elencado metas comportamentais que o auxiliaram na modificação de suas cognições,

o paciente pode ainda apresentar emoções fortemente relacionadas à crenças de incapacidade e não conseguir mudar de forma mais contínua.

O que pode estar nos faltando, neste caso, é direcionamento deesforços para conectar estas percepções às emoções primárias dele quando criança. Talvez esteja aqui o grande motor que justifica a permanência das emoções quentes e impedem mudanças contínuas: necessidades não atendidas na infância, que recorre na vida adulta tentando ser elaboradas e atendidas.

Entendamos melhor por meio de exemplos.

Uma técnica vivencial de imagens mentais, poderá ajudá-lo a lembrar que em sua infância e adolescência, no espaço familiar, sentia que sua opinião não tinha importância, que era desconsiderado, além de sempre prevalecer a fala daqueles que se expressavam mais alto e fortemente. Desta forma construiu uma percepção de si como incapaz e frágil, o que posteriormente foi sendo levado e generalizado para outras vivências fora da família. Ele se identifica tanto com estas percepções que tem dificuldade de separa-las de si.

As técnicas vivenciais terão, portanto, 2 principais objetivos:

1- Ativar emoções conectadas a esquemas remotos;

2- Realizar a reparação parental com o paciente, com o intuito de ressignificar suas emoções e crenças ao satisfazer, parcialmente, as necessidades não atendidas na infância.

Sim, as vezes é preciso reviver, no setting terapêutico, experiências remotas de forma vivencial para ressignificá-las***

Aqui daremos voz ao adulto saudável, à escuta de suas necessidades, à compreensão madura de seus pais não poderem ter lhe oferecido o que você precisava (emocionalmente), ao autoamor, à autoaceitação, à clareza do que você merece e, portanto, do que você não precisa aceitar. Um lindo trabalho de RESSIGNIFICAÇÃO e de grandes frutos futuros.

E lembremos: em nem todos os casos se fará necessário o percurso deste caminho. Há casos que podem ter ótimos resultados e evoluções, pela via de técnicas cognitivo-comportamentais efetivas ou tantas outras abordagens psicológicas que se propõem a auxiliar os pacientes nesta caminhada.

E ficam algumas reflexões…

  • Deu para ter uma pequena ideia do por que estudamos cerca de 5 anos e depois que concluímos a graduação seguimos estudando?
  • Dá para entender também que ser apenas conhecedor e aplicador de técnicas pode te trazer o risco de abrir uma grande questão e não conseguir oferecer o suporte que o teu “cliente” precisa?
  • Dá para entender por que um psicólogo estaria mais apto e capacitado a atender demandas desta natureza relacionadas ao comportamento e às emoções, que outros profissionais com formações curtas (ainda que pautadas na psicologia)?

* Isso não significa que as primeiras sessões não serão direcionadas para a escuta e apoio emocional.

** Em alguns casos essa etapa, junto com algumas técnicas de reestruturação cognitiva, já seria suficiente para gerar grandes mudanças. Em outros mais enraizados e complexos não.

*** Sobre reparação parental e detalhamento de técnicas vivencias, podemos futuramente falar em outro texto.

Texto baseado no livro Terapia do Esquema. Guia de técnica cognitivo-comportamentais inovadoras (Jeffrey Young, 2008).

Por Marina Simeão, Psicoterapeuta Cognitivo-Comportamental, eterna amante do humanismo e apreciadora da Terapia do esquema.

Em 26/09/2017.

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